IV. Os nomes de Deus

A. Os Nomes de Deus em Geral.

Conquanto a Bíblia registre vários nomes de Deus, fala também do Nome de Deus no singular como, por exemplo, nas seguintes declarações: “Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão” Êx. 20.7; “Quão magnífico em toda terra é o teu nome!” Sl 8.1: “Como o teu nome, ó Deus, assim o teu louvor se estende até os confins da terra” Sl 48.10; “Grande o seu nome em Israel” Sl 76.1; “Torre forte é o nome do Senhor, à qual o justo se acolhe e está seguro” Pv 18.10. Nesses casos “o nome” vale por toda manifestação de Deus em Sua relação com o Seu povo, ou simplesmente pela pessoa, de modo que se constitui sinônimo de Deus. Deve-se este uso ao fato de que, segundo o pensamento oriental, jamais um nome era considerado como simples vocábulo, mas sim, como expressão da natureza da coisa por ele designada. Saber o nome de uma pessoa era Ter poder sobre ela, os nomes dos diversos deuses eram utilizados nos encantamentos para se exercer poder sobre eles. Então, no sentido mais geral da palavra, o nome de Deus é Sua auto-revelação. É um designativo dele, não como Ele existe nas profundezas do Seu Ser Divino, mas como Ele se revela especialmente em Suas relações com o homem. Para nós, o nome geral de Deus é subdividido em muitos nomes, que expressam o multiforme Ser de Deus. É unicamente porque Deus se revelou em Seu nome (nomen editum) que podemos designá-lo por esse nome de várias formas (nomina indita). Os nomes de Deus não são uma invenção humana, mas têm origem divina, embora tomados da linguagem humana e derivados das relações humanas e terrenas. São antropomórficos e assinalam uma condescendente aproximação de Deus ao homem.

Os nomes de Deus constituem uma dificuldade para o intelecto humano. Deus é O Incompreensível, infinitamente exaltado acima de tudo o que é temporal; mas em Seus nomes Ele desce a tudo que é finito, e se assemelha ao homem. Por um lado, não Lhe podemos dar nome e, por outro lado, Ele tem muitos nomes. Como se pode explicar isto? Com que base estes nomes são aplicados ao Deus infinito e incompreensível? Deve-se Ter em mente que eles não foram inventados pelo homem e não atestam sua compreensão do Ser de Deus propriamente dito. Foram dados por Deus com a certeza de que contém, em certa medida, uma revelação do Ser divino. O que possibilitou isso foi o fato de que o mundo, com todas as suas relações, é e teve o objetivo de ser uma revelação de Deus. Dado o que O Incompreensível revelou-se em Suas criaturas, é possível ao homem dar-lhe nome à maneira de uma criatura. A fim de fazer-se conhecido ao homem, Deus teve que condescender em nivelar-se ao homem, acomodar-se à limitada e finita faculdade cognitiva e psíquica humana, e falar em língua humana. Se denominar Deus como nomes antropomórficos envolve limitação de Deus, como dizem alguns, isso com maior razão e em maior grau é verdade quanto à revelação de Deus na criação. Neste caso, o mundo não revela, antes esconde Deus; o homem não está relacionado com Deus, mas simplesmente forma uma antítese a Ele: e ficamos encerrados num agnosticismo sem esperança.

Do que foi dito acerca do nome de Deus em geral segue-se que podemos incluir sob os nomes de Deus, não somente aos apelativos pelos quais Ele é indicado como um Ser pessoal e independente, e com os quais o homem se dirige a Ele, mas também os atributos de Deus; e não apenas os atributos de Ser Divino em geral, mas também os que qualificam separadamente as Pessoas da Trindade. O Dr. Bavinck baseia a sua divisão dos nomes Deus nesse amplo conceito deles, e distingue entre nomina propria (nomes próprios), nomina essentialia (nomes essenciais, ou atributos), e nomina personalia (nomes pessoais; como pai e Filho e Espírito Santo). No presente capítulo nos limitaremos à primeira classe de nomes.

B. Os Nomes do Velho Testamento e Seu Significado

1. ‘EL, ‘ELOHIM, ‘ELYON. O nome mais simples pelo qual Deus é designado no Velho Testamento é o nome ‘El, possivelmente derivado de ‘ul, quer no sentido de ser primeiro, ser senhor, quer no de ser forte e poderoso. O nome ‘Elohim (sing. ‘Eloah) deriva provavelmente da mesma raiz ou de ‘alahh, estar ferido pelo temor; portanto, mostra Deus como o Ser forte e poderoso, ou como objeto de temor. O nome raramente ocorre no singular, exceto na poesia. O plural deve ser considerado como intensivo e, portanto, serve para indicar plenitude de poder. O nome ‘Elyon é derivado de ‘alah, subir, ser elevado, e designa Deus como alto e exaltado Ser, Gn 14.19,20; Nm 24.16; Is 14.14. Encontra-se especialmente na poesia. Contudo, estes nomes não são nomina propria, no sentido estrito da palavra, pois também são empregados com referência a ídolos, Sl 95.3; 96.5; a homens, Gn 33.10; Êx 7.1; e a governantes, Jz 5.8; Êx 21.6; 22.8-10; Sl 82.1.

2. ‘ADONAI. Este nome relaciona-se com os anteriores, quanto ao seu significado. É derivado de dun (din) ou de ‘adan, ambos os quais significam julgar, governar e , assim, revelam Deus como Governante todo-poderoso, a quem tudo está sujeito e com quem tudo está sujeito e com quem o homem se relaciona como servo. Nos primeiros tempos, era o nome com o qual Israel normalmente se dirigia a Deus. Com o tempo foi suplantado pelo nome Jeová (Yahweh). Todos os nomes mencionados até aqui descrevem Deus como Altíssimo, o Deus transcendente. Os nomes subseqüentes mostram que este Ser exaltado condescendeu em estabelecer relação com as Suas criaturas.

3. SHADDAI e ’EL-SHADDAI. O nome Shaddai é derivado de shadad, ser poderoso, e indica que Deus possui todo o poder no céu e na terra. Segundo outros, porém, é derivado de shad, senhor. Num ponto importante difere de ‘Elohim, o Deus da criação e da natureza, em que Shaddai considera a Deus como sujeitando todos os poderes da natureza e fazendo-os subservientes à obra da graça divina. Embora dê ênfase à grandiosidade de Deus, não apresenta como objeto de temor e terror, mas como fonte de bem-aventurança e consolação. É o nome com o qual Deus apareceu a Abraão, o pai dos que crêem, Êx 6.2.

4. YAHWEH e YAHWEH TSEBHAOTH. É especialmente no nome Yahweh, que gradativamente superou os nomes anteriores, que Deus se revela o Deus da graça. Sempre foi tido como o mais sagrado e o mais distintivo nome de Deus, o nome incomunicável. Os judeus temiam supersticiosamente usá-lo, visto que liam Lv 24.16 como segue: “Aquele que mencionar o nome de Yahweh será morto”. Daí, ao lerem as Escrituras, substituíram-no por ‘Adonai ou por ‘Elohim; e os massoretas, embora deixando as consoantes intactas, ligaram a elas as vogais de um destes nomes, geralmente o de ‘Adonai. A verdadeira derivação do nome, e sua pronúncia e sentido de origem, estão mais ou menos perdidos na obscuridade. O Pentateuco liga o nome ao verbo hebraico hayah, ser, Êx 3.13, 14. Da força dessa passagem podemos supor que, com toda probabilidade, o nome deriva de uma forma arcaica daquele verbo, a saber, Hawah. No que se refere à forma, pode ser considerado como a terceira pessoa do imperfeito de qal ou de hiphil, mais provavelmente de qal. O sentido é explicado em Êx. 3.14, onde se traduz, “Eu sou o que sou” ou “Eu serei o que serei”. Assim interpretado, o nome indica a imutabilidade de Deus. Contudo, não se tem tanto em vista a imutabilidade do Seu Ser essencial, mas mormente a imutabilidade de Sua relação com o Seu povo. O nome contém a segurança de que Deus será para o povo dos dias de Moisés o que foi para os seus pais – Abraão, Isaque e Jacó. Salienta a fidelidade pactual de Deus, é Seu nome próprio par excellence, Êx 15.3; Sl 83.19; Os 12.6; Is 42.8, e, portanto, não é empregado com referência a ninguém mais, senão unicamente com referência ao Deus de Israel. O caráter exclusivo deste nome transparece do fato de que nunca ocorre no plural nem com sufixo. Yah e Yahu são formas abreviadas dele, formas que nunca se acham principalmente em nomes compostos.

Muitas vezes o nome Yahweh é fortalecido pelo acréscimo de Tsebhaoth. Orígenes e Jerônimo o consideravam uma aposição, porque Yahweh não admite condição de construto. Mas esta interpretação não tem suficiente suporte e dificilmente propicia um sentido inteligível. É deveras difícil determinar a que se refere o vocábulo tsebhaoth. Há três opiniões principais:

a. Os exércitos de Israel. Pode-se muito bem pôr em dúvida o acerto desta maneira de ver. A maior parte das passagens citadas em apoio desta idéia não prova o ponto; somente três delas contém um indício de prova, a saber, 1 Sm 4.4; 17.45; 2 Sm 6.2, ao passo que uma delas, 2 Rs 19.31, é muito desfavorável a este ponto de vista. Enquanto o plural tsebhaoth é empregado para designar os exércitos do povo de Israel, o exército é normalmente indicado pelo singular. Isto milita contra a noção, inerente a esta teoria, de que, no nome em consideração, o termo se refere ao exército de Israel. Além disso, é evidente que, pelo menos nos Profetas, o nome “Senhor dos Exércitos” não se refere ao Senhor como Deus de guerra. E se o sentido do nome mudou, o que foi que ocasionou a mudança?

b. As estrelas. Mas, ao falar do exército dos céus, as Escrituras sempre empregam o singular, e nunca o plural. Além do mais, as estrelas são chamadas o exército do céu, mas nunca o exército de Deus.

c. Os anjos. Esta interpretação merece preferência. O nome Yahweh Tsebhaoth acha-se muitas vezes em contextos em que os anjos são mencionados: 1 Sm 4.4; 2 Sm 6.2; Is 37.16; Os 12.4, 5; Sl 80.1, 4, 7, 14, 19; 89.6, 8. Os anjos são repetidamente descritos como um exército que circunda o trono de Deus, Gn 28.12; 32.2; Js 5.14; 1 Rs 22.19; Sl 68.17; 103.21; 148.2; Is 6.2. É verdade que neste caso o singular é também usado no geral, mas esta objeção não é grave, pois a Bíblia indica também a existência de várias divisões de anjos, Gn 32.2; Dt 33.2; Sl 68.17. Ademais, esta interpretação está em harmonia com o significado do nome, que não tem matiz marcial, mas expressa a glória de Deus como Rei, Dt 33.2; 1 Rs 22.19; Sl 24.10; Is 6.3; 24.23; Zc 14.16. Então, o Senhor dos Exércitos é Deus como o Rei da glória, cercado de hostes angelicais, governa o céu e aterra no interesse do Seu povo e recebe glória de todas as Suas criaturas.

C. Os Nomes do Novo testamento e Seu Significado.

1. THEOS. O Novo testamento tem equivalentes gregos dos nomes do Velho Testamento. Para ‘El ‘Elohim, e ‘Elyon temos nele Theos, que é dos nomes aplicados a Deus o mais comum. Como ‘Elohim, pode, por acomodação, ser empregado com referência a deuses pagãos, embora estritamente falando expresse divindade essencial. ‘Elyon é traduzido por Hypsistos Theos, Mc 5.7; Lc 1.32, 35, 75; At 7.48; 16.17; Hb 7.1. Os nomes Shadda e ‘El-Shadday são vertidos para Pantokrator e Theos Pantokrator, 2 Co 6.18; Ap 1.8; 4.8; 11.17; 15.3; 16.7, 14. Mais geralmente, porém, vê-se Theos com um genitivo possessivo, como mou, sou, hemon, hymon, porque em Cristo Deus pode ser considerado como o Deus de todos e de cada um dos Seus filhos. A idéia nacional do Velho Testamento deu lugar à individual, na religião.

2. KYRIOS. O nome Yahweh é aplicado algumas vezes por variantes de tipo descritivo, como “o Alfa e o Ômega”, “que é, que era, e que há de vir”, “o princípio e o fim”, “o primeiro e o último”, Ap 1.4, 8, 17; 2.8; 21.6; 22.13. Todavia, quanto ao mais, o Novo Testamento segue a Septuaginta, que substitui por ‘Adonai, e o traduz por Kyrios, derivado de kyros, poder. Este nome não tem exatamente a mesma conotação de Yahweh, mas designa a Deus como o Poderoso, Senhor, o Possuidor, o Governador que tem poder e autoridade legal. É empregado não somente som referência a Deus, mas também a Cristo.

3. PATER. Muitas vezes se diz que o Novo Testamento introduziu um novo nome de Deus, a saber, Pater (Pai). Mas isto, a rigor, não é certo. O nome Pai é empregado com alusão a Deus mesmo em religiões pagãs. É utilizado repetidamente no Velho Testamento para designar a relação de Deus com Israel, Dt 32.6; Sl 103,13; Is 63.16; 64.8; Jr 3.4, 19; 31.9; Ml 1.6; 2.10, enquanto que Israel é chamado filho de Deus, Êx 4.22; Dt 14.1; 32.19; Is 1.2; Jr 31.20; Os 1.10; 11.1. Nestes casos o nome expressa a relação teocrática especial que Deus mantém com Israel. No sentido geral de originador ou criador é empregado nas seguintes passagens do Novo Testamento: 1 Co 8.6; Ef 3.15; Hb 12.9; Tg 1.18. Em todos os outros lugares ele serve para expressar a relação especial da primeira Pessoa da Trindade com Cristo, com o Filho de Deus, seja no sentido metafísico, seja no sentido mediatório, ou a relação ética de Deus com todos os crentes como Seus filhos espirituais.